“Os processos da vida que operam na floresta contêm complexidade quase incompreensível, com um número astronômico de seres funcionando como engrenagens articuladas em uma fenomenal máquina de regulação ambiental.” (Antônio Donato Nobre)
O Brasil viveu, na virada de 2014/2015, uma de suas piores secas e tudo indica que a situação deve piorar. Atribui-se o problema à falta de obras de infraestrutura, aos desperdícios de água pela população, à má gestão das concessionárias, entre outros fatores. Embora tudo isso possa ter seu peso no problema, um outro motivo, infinitamente maior, emerge desse atoleiro de responsabilidades: o desmatamento da Amazônia.
Em novembro de 2014, meses antes de a seca atingir seu ápice no Sudeste, Antônio Donato Nobre, pesquisador sênior do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apresentou um estudo enriquecedor sobre a reação do clima às intervenções do homem. Durante quatro meses, Nobre analisou aproximadamente 200 artigos científicos sobre a ligação entre a floresta amazônica e o serviço de regulação do clima do planeta, fazendo uma revisão e uma síntese da literatura científica sobre o tema e interpondo análises interpretativas das questões mais importantes relacionadas ao assunto. Sua conclusão foi de que a destruição da floresta, por desmatamento ou queimadas, além dos danos locais, ameaça de desertificação uma grande parte do território sul-americano. A única salvação é a reconstituição da floresta.
Encomendado pela Articulación Regional Amazónica (ARA), grupo que reúne entidades da sociedade civil dos nove países que compartilham o bioma, o relatório “O Futuro Climático da Amazônia” mostra que, graças à intensificação da degradação e ao desmatamento na região, a floresta vem perdendo sua capacidade de captar e transportar umidade para o resto do país. Segundo ele, as árvores da Amazônia colocam na atmosfera aproximadamente 20 bilhões de toneladas de água por dia e esta água é levada para o sul do continente pelas correntes de ar, transformando-se em chuva.
A área imediatamente afetada é gigantesca. Estende-se de Cuiabá a Buenos Aires, ao sul, e de São Paulo aos Andes, a oeste. Seus equivalentes latitudinais no planeta correspondem a quatro dos maiores desertos do mundo: Atacama, Kalahari, Namíbia e o Outback australiano. Na América do Sul, a desertificação é impedida porque a floresta amazônica exporta “rios aéreos” de vapor, direcionados para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil com a ajuda dos Andes (veja mapa abaixo).
O texto de Antônio Donato Nobre é rico em informações e na tradução poética que faz da natureza. No início do trabalho, ele avisa: “Sem perder o foco na ciência, o relatório trata dos temas com linguagem acessível e aspiração holística, isto é, busca ligar fontes e muitas análises de especialistas em uma imagem coerente do ecossistema Amazônico”. No início do trabalho, por exemplo, ao referir-se ao “tapete tecnológico da biodiversidade da Amazônia”, explica que o uso metafórico do conceito da tecnologia indica “uma dimensão natural (não humana) da incrível complexidade e sofisticação existente nos sistemas vivos, que opera automaticamente em nanoescala (bilionésimos de metro), de modo a criar e manter a habitabilidade e conforto ambiental”. E acrescenta: “A tecnologia da natureza é inconcebivelmente avançada”.
Outra expressão metafórica usada é oceano-verde, que “descreve as características oceânicas desta extensão continental coberta por densas florestas. A importância deste conceito novo e incomum reside na sua sugestão de uma superfície florestal, estendida abaixo da atmosfera, cuja características de vastidão, umidade e trocas pelos ventos se assemelham às dos oceanos reais”. Qualquer pessoa que tenha sobrevoado a floresta e o oceano há de concordar com essa comparação muito apropriada.
Rios Voadores: contando uma bela história
Em 2006, contemplando a floresta amazônica do alto de uma torre de estudo do projeto LBA, trocamos com o aviador Gerard Moss as primeiras ideias que levaram ao projeto de aventura, pesquisa, divulgação e educação ambiental Rios Voadores*. Com financiamento da Petrobras e a participação de Enéas Salati, o pioneiro dos estudos sobre reciclagem de umidade na Amazônia, além de outros cientistas de renome, Moss perseguiu por anos os rios de vapor com seu avião monomotor, coletando numerosas amostras para estudo e capturando a atenção lúdica das pessoas na aventura que criou. Fez também um trabalho extraordinário de educação ambiental nas escolas e pela Web, postando frequentemente em redes sociais as trajetórias dos rios voadores e mostrando como estes levam água para as pessoas. O resultado mais valioso desse projeto foi sua capacidade de tocar o lado emocional das pessoas através do estímulo lúdico, da aventura, da ciência engajada, conectando- as ao sentimento de estima pelo ambiente, pela água e pela floresta. (Extraído do relatório “O Futuro Climático da Amazônia”).
*(Newell and Newell, 1992) Tropospheric Rivers? – A Pilot Study.
Leia o relatório completo O Futuro Climático da Amazônia
Acesse Expedição Rios Voadores, projeto que une ciência e educação e dispõe de mapas meteorológicos
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